Lutando contra os Demônios Pessoais

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Ele lutava contra os demônios, seres criativos e furtivos que, com frequência invadiam seu ecossistema e, sem pedir licença, aterrorizavam o quotidiano com risadas jocosas sobre os sonhos que ele possuía, com zombarias sobre os puros e augustos desejos que ele alimentava e com satíricas ironias sobre os comportamentos que ele ansiava por manifestar.

E esta, era uma batalha continua, às vezes com vitórias épicas, outras com derrotas devastadoras, mas que nunca parava e, frequentemente num nível mais ameno, com quotidianas contendas.

Mas em cada triunfo ele guardava um pouco do êxtase sentido para reerguer-se nos dias em que o infortúnio prevalecia, pois estes pareciam ser mais constantes e intensos do que aqueles.

Até que um dia ele percebeu que, tanto no encanto da conquista quanto no desespero da perda, seus sentidos estavam temporariamente exaltados e meio distorcidos, por consequência, ele não conseguia observar a plenitude da vida como ela é, pois ou a estava visualizando com as lentes da excessiva euforia, ou com as lentes de horripilantes maus êxitos e, neste mar de extremas tempestades ou exuberantes céus de brigadeiro, ele se deu conta de que estava andando à deriva da direção de seu desejado norte, do caminho que desejava seguir.

Então, como num lampejo de lucidez, contemplou a possibilidade de que a luta não era tão necessária, de que as batalhas talvez fossem mais inventadas do que indispensáveis, de que toda aquela confusão não fosse uma real representação da senda individual.

E, naquele mágico momento, tudo o que lhe parecia normal, essencial e integrante de sua caminhada, desmoronou-se abruptamente como um frágil castelo de areia que é levado por uma simples onda.

Mas aí veio o momento pós tormenta, a qual avassala e extingue os pilares que existem, mas que também deixa um vazio aparentemente impreenchível.

No entanto, é no temporário vazio que surgem as perguntas, que surgem as dúvidas, que surgem as curiosidades e, sobre o manto de tão sublimes forças, a vida torna-se um majestoso firmamento de possibilidades não reveladas, de eventualidades não descobertas e de caminhos ainda não percorridos, pois enquanto houverem perguntas, sempre existirá a possibilidade de se encontrar as respostas e, o casamento de perguntas e respostas, é imprescindível para a existência da esperança, pois sem a dúvida e sem as curiosidades, a esperança torna-se uma infértil e inexistente energia na essência individual e, sem ela, florescem as indecorosas batalhas quotidianas que existem somente para defender enganosas, herdadas e limitantes idiossincrasias que, em essência, não estão conectadas à plenitude da sapiência individual. Sabedoria esta que é natural e inquestionavelmente una, íntegra, pacífica, harmônica e amorosa.