Embalado pelos sonhos de grandes realizações, crescer, sair de casa, abater os melhores corpinhos que bailavam na nossa frente, em boates fumegantes e etílicas, me fiz acompanhar dos melhores amiguinhos que um adolescente poderia ter.
Esse grupo de amigos, todos na odiosa faixa dos dezessete anos, cristãos e tementes a Deus, comandados pela força da cachaça, numa lúgubre noite resolvem fazer uma visitinha ao galinheiro do Seu Caroço, lá no Itacherê, em São Borja.
O João Telmo estava sozinho em casa e tudo preparado para uma galinha com arroz e depois a boate do Comercial, se Ismael, o porteiro, não complicasse para entrarmos.
Todos na Chevrolet picape do Saquinho, aquela vermelha sem freios e que precisava empurrar pra pegar, a mesma porcaria da pescaria.
Capincho, Léo Castilhos, João Telmo e eu. Saquinho conduzindo a nave em direção ao galinheiro do Seu Caroço, que era separado da rua apenas por uma vulnerável cerca de arame.
Seu Caroço era nosso conhecido, tinha um bolicho onde vivíamos enchendo a caveira e conhecíamos o terreno. Jamais roubaríamos de um desconhecido, nunca!
Era um código de honra que tínhamos, onde já se viu, subtrair alguma coisa de um cara que nunca nos viu na vida?
Estaciona a caranguejola trepidante ao longe, pois não dava pra desligar – senão teria que empurrar a bosta – e fomos, sorrateiros, até o galinheiro.
O Saquinho ficou ao volante do bólido, preparado para a fuga.
Quando entramos no domicílio galináceo, aquele bicharedo desgraçado começou a gritar e despencar dos poleiros em cima dos quatro borrachos, um desastre, que animalzinho esparrento!
Mal deu pra enfiarmos uma penosa dentro do saco de adubo, que levamos para aquela finalidade.
Só ouvimos o grito do Seu Caroço e dois ou três tiros de 38: “Vão roubar galinha da puta da mãe de vocês, corno fiadasputa!”. Foi uma correria, parecia até uma eguada disparando no varzedo!
Quando clareou a mente, estavam todos na camionete, vivos, porém cagados. Com a bendita galinha ensacada, creiam-me infiéis!
Achei que o deteriorado veículo fosse se desmanchar antes de chegar na casa do Telmo!
Um de nós parece que balbuciou a seguinte frase, antes de descer da Chevrolet: “Se sangue fede eu tô ferido!”.
Lá pelas duas da manhã entrávamos no Clube Comercial felizes, com a galinha do Seu Caroço na barriga e mais uma história pra contar para os netos.
Não faça isso em casa, esse crime por nós cometido já prescreveu.
Hoje os tempos são outros, as galinhas tem sindicato e estão organizadas.