Acelero mais antes da curva e o gole do King’s Command derrama no meu joelho. Não sei a quantas ando, só sei que estou correndo mais do que deveria.
O cheiro desse uísque me lembra teus olhos negros mouros, minha amada degenerada que me deu um pé-na-bunda na segunda que ainda me dói na sexta.
Cada curva dessa pista tem a suavidade dos teus cabelos, minha ex-mulher.
Ex-mulher é homem; ex-homem é mulher, melhor parar de pensar e só dirigir.
Mais um gole e acendo outro Minister depois da reta cinzenta. Mulheres, mulheres. Terminamos nossa relação, nosso soneto de amor, por incompatibilidade religiosa: ela achava que era Deus e eu um pobre bêbado desempregado, embora cumpridor das minhas responsabilidades conjugais.
Aliás, um perfeito executor de minhas responsabilidades conjugais, modéstia à parte.
Sinto um calafrio quando os reflexos entorpecidos me fazem perder o controle e o carro é jogado para fora da pista em alta velocidade.
– Porra, Motta! É o terceiro carrinho que tu destrói, hoje! Vou te cobrar dobrado, seu bosta!
É Corálio, o dono da pista de autorama que eu frequento quando fico deprê. A pista é do Corálio!
Melhor ir pra casa. Cilene, minha tartaruga, deve estar com saudades; há dois dias não apareço em casa. Quando abro a porta ela pula no meu colo, abanando o rabinho de tanta felicidade!
Acho que vou preparar uma massa de manobra para uns pães de forno, veremos.
Mulheres, mulheres. Essa última ficou com gosto de King’s Command.
Já foi pior: tive algumas com gosto de cachaça com framboesa, juro-lhes, pequenos assassinos de baratas.
Buenas tardes.