O sentimento de migrar

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Foto: Arquivo pessoal

Queridos leitores, hoje escrevo sobre o sentimento de migrar. Nominei dessa forma porque é exatamente isso que vos quero trazer e tratar nessa coluna hoje.

Quando nascemos, estreamos uma construção social, com isso quero dizer que iniciamos a formação de relações sociais com nossos familiares, depois com pessoas próximas, com colegas de colégio, de atividades esportivas, etc. Assim, nosso “eu” é formado pela nossa personalidade e características próprias, obviamente, mas também por quem somos no contexto social em que estamos inseridos. Além disso, também podemos dizer que somos uma extensão das pessoas que nos cercam, aproveitamos o que eles construíram. As pessoas sabem que o Marcus é o filho do Seu Ramão e da Dona Odete, é amigo do fulano, trabalhou com o Beltrano. Em São Borja, talvez não saibam quem eu sou, mas se disseram que é sobrinho da Maria e do Martelo, primo do Deco, já existe uma conexão, uma referência, uma proximidade aliada a esse fato.

Construímos isso desde o nascimento, por isso digo que a idade não é apenas algo cronológico e físico, mas também traz consigo uma história em que há uma construção interna de cada um e externa com relação aos laços sociais. A questão em si não é a localidade, o território em si, mas sim as pessoas que estão e estiveram naquele território e que diretamente formam os laços humanos de convivência desde quem nos sucedeu até que nos sucederá. Quando se emigra para um lugar novo, há uma quebra dessa continuidade e um novo início do zero.

Certamente não posso dizer que os hábitos e até mesmo questões materiais não importam. Porém, como abaixo escrevo, a ênfase aqui é no sentimento de migrar e, ao meu ver, o cerne disso é a interrupção de uma história em um contexto social e territorial para inaugurar outra em outro.

Quando alguém decide emigrar, ou seja, deixar o seu local de origem para um novo, no qual será imigrante, não se tem uma real noção de quais serão as implicações, por isso, muitos não o fazem diante da insegurança que o desconhecido traz. É preciso coragem, ou talvez loucura, para desbravar o desconhecido e seus riscos, para concretizar essa ruptura para o novo.

O primeiro sentimento de imigrar é a total sensação de solidão, ou seja, desde logo é percebido que se é alguém isolado sem nenhum conhecido em um local também totalmente desconhecido com cultura e hábitos diferentes. Em Portugal, há a facilidade do idioma, porém, apesar de se falar português, a pronúncia, a forma de utilizar as palavras e formar as frases é totalmente diferente, por vezes de impossível entendimento.

A partir da compreensão desse sentimento de solidão, ou seja, de não ter ninguém conhecido por perto com quem contar, apenas por meios digitais, o imigrante se obriga estar aberto para formar novas relações sociais. Porém, é um começo do zero, não há referências do outro com informações sobre o passado ou o presente, a história da outra pessoa é contada por ela mesma sem nenhuma introdução. Quando se está em um local desde que nasceu, ainda que nunca se tenha conversado com alguém da cidade, sempre há um amigo em comum, locais comuns em que já se viram.

Nesse novo ambiente, também as atividades diárias e os hábitos precisam ser reinventados. No meu caso, como vim para cursar um mestrado na Universidade isso facilitou o início da formação de um círculo social com integração dos colegas em atividades no dia a dia. Conheci colegas que se tornaram genuínos amigos de jornada comum.

O segundo sentimento é o de medo pelo futuro, afinal, não se tem certeza acerca do dia de amanhã. Tudo é muito volátil nesse momento inicial. Além disso, há a necessidade de se inserir em um mercado de trabalho totalmente novo e sem contatos profissionais. Para um advogado autônomo, o mais importante são os clientes, em um lugar novo, não se conhece ninguém, tudo começa do zero. Basicamente todos os contatos feitos ao longo da vida já não mais existem, todas as pessoas, amigos, etc., ficaram a um oceano de distância.

O terceiro sentimento refere-se à saudade, a qual a distância de quem amamos impõe diariamente. O pesar por quem ficou, algumas vezes, o remorso por deixarmos pessoas que talvez nunca mais poderemos ver ou tocar faz o peito apertar em cada lapso de recordação.

Por outro lado, tem-se o sentimento de desafio e motivação por poder buscar o novo, de se ter novas oportunidades para alcançar tudo que sobrevém de um mundo totalmente diferente envolto por novidades. Há uma cidade inteira e seus arredores para conhecer, suas ruas, bares, restaurantes, shoppings, mercados, praças, parques, praias, a cultura, os hábitos… Percebe-se que para tudo isso é importante ter amigos com ideias e planos em comum.

É um sentimento de recomeço, é a oportunidade de traçar novos caminhos e alcançar outros fins. É a vida acontecendo no agora e não no amanhã!