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O Caminho ao topo da África

Tudo começou no 1º dia de 2020 quando eu e minha esposa, Rafaela, decidimos que nossa aventura do ano seria no continente Africano, ainda não sabíamos qual seria o destino exato e muito menos imaginávamos todas as transformações que o Coronavirus causaria em nossas vidas.
Chegado o mês de Setembro havíamos praticamente abandonado o plano do início do ano, porém em uma noite de domingo resolvi pesquisar se algum país na África estava sem restrições para receber turistas, foi então que descobri que a Tanzânia não registrava casos há mais de 3 meses e tudo estava funcionando normalmente. Além disso, o Monte Kilimanjaro, ponto mais alto da África, fica no país, sendo possível realizar uma subida até o seu topo. Nosso destino estava definido e nossa aventura apenas começando!
O Kilimanjaro é um vulcão desativado que em seu ponto mais alto chega a 5.895 metros,  para subi-lo é necessário contratar uma equipe de apoio que, entre guias, carregadores e cozinheiro são 9 pessoas envolvidas. Para chegar até o topo existem diversos caminhos, mas como queríamos conhecer outros locais da Tanzânia e nosso tempo era escasso, escolhemos a Rota Marangu, através dela é possível realizar todo o trajeto em apenas 6 dias, porém o tempo de aclimatação e descanso é muito pequeno o que reduz bastante as chances de chegar até o topo.
Em 2014, quando morava na Índia, tive a oportunidade de realizar uma caminhada de 15 dias até o acampamento base do Monte Everest no Nepal, foi um grande desafio, durante todo o trajeto carreguei 17 kg nas costas e tive problemas com a altitude. Esse histórico fez parecer que os 6 dias do Kilimanjaro seriam mais fáceis e a chegada até o topo seria certa.
Os primeiros 2 dias de caminhada foram tranquilos, percorremos em torno de 17 km e não fazia tanto frio. Passamos por uma linda floresta e por uma extensa área montanhosa, que estava totalmente queimada devido a um grande incêndio ocorrido em Outubro. Chegamos na localidade de “Horombo” (3.720 metros) onde passamos duas noite e fizemos uma caminhada de aclimatação até a “Zebra Rock”, acima de 4.000 metros, uma pedra gigante que naturalmente possui as cores de uma Zebra. Nesse ponto o frio já era intenso, chegando a temperaturas negativas durante a noite.
O quarto dia chegou e sabíamos que com ele viriam nossos maiores desafios. Iniciamos a caminhada em torno das 07:00 da manhã, foram 11 km que iniciaram com um trecho muito acidentado, cheio de pedras, descidas e subidas. Após quase 4 horas o cenário mudou totalmente, agora estávamos em um deserto que passava a sensação de que havíamos chegado à lua, ventava muito, chovia mais ainda e em alguns momentos nevava. Sim, durante essa época do ano chove muito por lá, mesmo no deserto.
O trajeto trouxe junto os efeitos da altitude, nesse momento já sentia muita dor de cabeça e o fato de estar carregando 15kg  por todo esse tempo fez com que minhas pernas começassem a ficar exaustas, além disso, o fato de estar nevando tornou a sensação térmica negativa. Enfim chegamos as 15:00 em “Kibo” (4.750 metros), localidade onde fica o acampamento base para a subida até o topo de África. Não tínhamos muito tempo para descansar, jantamos as 17:00 e tentamos dormir um pouco, o que para mim foi impossível, a dor de cabeça estava a ponto de não conseguir fechar os olhos. As 23:00, ainda do mesmo dia, já estávamos comendo algo e colocando muita roupa, prontos para iniciar aquele que seria o maior desafio de nossas vidas.
A subida iniciou a meia-noite, faziam -20 graus e usávamos lanternas de cabeça para iluminar o nosso caminho. Em poucos minutos, aquilo que nossos incríveis guias “Mussa” e “Baboo” haviam nos alertado começou a acontecer, mesmo utilizando três meias e duas luvas as extremidades dos nossos corpos estavam praticamente congeladas. Até então tudo “normal”, o que não poderia ocorrer era sentirmos nossos peitos e pernas gelados, o que certamente levaria a um estado hipotérmico.
O frio era avassalador, o caminho totalmente íngrime e perigoso, toda vez que olhávamos para o lado estávamos a um passo de cair montanha abaixo. Só conseguíamos pensar no nascer do sol, que seria em torno das 06:30, somente ele poderia esquentar um pouco nossos corpos e iluminar de uma forma mais segura o trajeto. O sol nasceu no mesmo momento em que chegamos em uma pequena caverna para tomar algo quente e descansar por alguns minutos. A dor de cabeça e o enjoo já eram praticamente insuportáveis.
Já estávamos acima de 5.000 metros de altitude, porém no ritmo em que conseguíamos subir eram no mínimo mais 4 horas para chegar ao topo. Nesse momento a Rafa decidiu descer, tomou a decisão no momento certo, se não parasse por ali a descida seria impossível. Ela foi uma guerreira do início ao fim, resistiu por muito tempo a todas as adversidades que a montanha nos impusera.
Segui acompanhado do nosso guia “Mussa”, foram mais 3 horas de um esforço físico e mental que eu jamais tinha enfrentado antes, a sensação era que meu coração “sairia pela boca” e a qualquer momento não seria mais possível respirar. Ultrapassei os 5.500 metros e desisti!
Desistir é algo muito difícil para mim, costumo sempre desafiar meus limites, mas dessa vez o maior aprendizado era aceitar que chegar até o topo não seria possível. Pude perceber que o maior valor de toda essa aventura não estava no objetivo final e sim no caminho.
Se eu pretendo voltar e chegar até o topo? Somente para viver novamente todo o caminho.
Aprendi que todo caminho é feito passo a passo, vivendo cada segundo, confiando em algo maior, dando tempo ao tempo, seguindo sempre em frente…

Nícolas Pletsch – Novembro / 2020

Redação
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