Odeio a classe média! É nisto que estou pensando enfiado num Corsa 1.0, com prestações atrasadas e crianças que berram feito apaches enfurecidos, comandadas pela mulher sentada ao meu lado, que acha que sou a Sétima Cavalaria e poderei socorrê-la. Ledo e ivo engano.
Nessas longas horas a caminho da praia já se esgotaram as águas, os salgadinhos e todo mundo pode fazer xixi na estrada. Antes não dava pois era dia.
O Arnaldinho, filho do nosso vizinho, resolveu vomitar no banco traseiro e, segundo minha esposa – a mulher sentada ao meu lado -, ele é ariano e ariano não se deve contrariar. Ponto.
O Arnaldinho vomitou e o engarrafamento andou uns dois metros. Talvez um presságio. Ou um pedágio; já estou confundindo confudendo tudo a essas alturas do campeonato.
Não traria o Arnaldinho se o pai dele não tivesse nos emprestado a casa pro feriadão, não mesmo!
Viajo um pouco dentro do que resta do meu cérebro amortecido, olhando pra bunda do carro da frente. Noite. Um dia chegaremos em Pinhal.
Morria até rir de tanto sentar na ponta e não pagar a conta nessa noite que farda mas não talha, separando o joio dos tigres e olhando os cães que ladram enquanto meu Corsa passa.
A fila andou mas parece que a eternidade está entre nós. Calúnia, a cadelinha das crianças, fez cocô no carro; um mimo, que amor!
Comecei a caluniar a Calúnia e fui, severamente, repreendido pela minha Madre Superiora com a qual contraí núpcias anos atrás. A esculhambação no banco traseiro é resultado dessa união, afrodite, se quiser.
Contrair núpcias parece que a gente adquiriu uma doença, não é? Contraí uma gripe virulenta, etc.
Chega de devaneios na estrada. Concentração, foco no martírio, digo, na viagem.
Ainda tem que chegar lá, descarregar o carro e apaziguar o bando de sioux, aliás, apaches. E a cerveja está quente e a geladeira desligada seus fariseus, filisteus, hereges e infiéis!
Odeio a classe média!